quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Desenho do meu próprio rosto

Sentei-me numa cadeira de braços – bem confortável por sinal – e peguei na caneta de tinta permanente. Tinha o bloco A4 à minha frente. Olhei pela janela e chovia como nunca tinha visto nos meus pequenos dezassete anos. À minha esquerda, tinha a mala com as cornucópias que me serviu de inspiração.
Traçei um risco ao comprido, duma ponta da folha à outra. Fiquei cerca de dez minutos a pensar no que iria fazer a seguir. Fechei os olhos e saíram-me três círculos, dois deles com a forma de uns olhos grandes, daqueles que vêm para além do mundo. De seguida, agarrei num lápis de cera e pintei-os, muito ao de leve, com castanho e cor de mel, para dar um ar calmo e sereno. Tornei a pegar na caneta e desenhei um nariz, a partir do outro círculo, tal e qual uma esfinge, bicuda e rígida. Num gesto agitado, corri a folha com traços soltos e sem lógica; de novo com a cera, desta vez encarnada viva, esbocei duas maçãs do rosto. O desenho começava a ganhar forma.
Abri a gaveta e tirei um pincel. Tive medo de estragar o desenho, mas arrisquei, como arrisco sempre. Molhei o pincel no copo de água e demolhei-o no preto. Fiz uns caracóis selvagens, daqueles que balançam à mínima rajada de vento. Observei o desenho e salpiquei, de verde, os cantos da folha: pareciam ideias e pensamentos, confusos e baralhados. Peguei novamente na caneta e fiz as orelhas juntamente com inúmeros brincos, sem pensar em grandes detalhes. Pintei apenas as pérolas que tinha nas orelhas enquanto desenhava, de beje, para não chamar muito a atenção. Agarrei numa caneta de feltro e tracei algumas cornocópias de volta dos caracóis pretos. Agora sim, estava um retrato com alguma cor. Faltava a boca e as sobrancelhas: por cima dos olhos, com grafite, esbocei alguns traços contínuos, não muito compridos, de ambos os lados; em relação à boca tive mais precisão e cuidado. Novamente com o pincel, desenhei uns lábios tão perfeitos que nem pareciam os meus. Pintei-os de vermelho escuro, para parecerem firmes e sedutores.
Finalmente, peguei nos guaches e pintei algumas partes da folha, sem saber bem o que estava a fazer. De início não tinha a intenção de desenhar um rosto tão único como aquele, mas senti que faltava qualquer coisa. Faltava-lhe vida. Tentei imaginar o que poderia fazer para gostar do que tinha feito, mas nada me ocorreu. Foi então que me escorreu uma lágrima, muito lentamente, sem eu dar conta, e caiu exactamente num dos olhos castanhos cor de mel. Foi aí que entendi que o desenho por fim, tinha ganho vida. Só lhe faltavam as minhas lágrimas.

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