terça-feira, 25 de maio de 2010

Silêncio.

Estou rodeada pela barreira do silêncio. Sinto-me a desaparecer a cada segundo. Estou sem nada; a minha roupa rasgou-se e a minha pele como não aguenta o frio, começou a estalar. Os cabelos caíram, as unhas apodreceram e os dentes partiram-se a cada mero segundo. Os meus ossos deslocaram-se e deixei de ter tacto. Os meus olhos embaciaram, acabei por perder a visão e o olfacto. As minhas pestanas foram caindo aos poucos. Parti todos os dedos das mãos e minha cara desfez-se até ficar completamente deformada. Estou nua. O pior de tudo? Deixei de ter sentimentos. Tudo graças a isto: que afinal de contas, se chama Vida. Sim, porque pessoas assim é que tornam esta vida perfeitamente obscura. Sem sorrisos, festas e brincadeiras. Mas não tenhas medo, um dia quando perceberes o que se passa à tua volta vais tentar retroceder no tempo. E desculpa, mas já vai ser tarde. Vais olhar à tua volta e perceberás que estás sozinho, já há demasiado tempo. E não vais poder fazer rigorosamente nada. Agora aprende a viver com o que tens porque eu também aprendi, daí estar nua, neste momento.
Mas hei-de cozer a minha roupa. Vou em direcção ao sol para aquecer a minha pele. Vou lavar-me para que o meu cabelo, as minhas unhas e os meus dentes voltem a crescer como deve ser. Os meus ossos irão voltar ao sítio inicial. Vou ter uns óculos para ver melhor e inspirarei o ar puro do campo para que o olfacto volte. Vou colar as minhas pestanas e andar muito para que os meus ossos melhorem.
Quanto à minha cara, vou esperar, porque o tempo tudo cura, e sei que ela vai voltar a ser redonda e frágil como era, com a sua cor morena e com as maçãs do rosto rosadinhas.
Depois de tudo isto, voltarei a ter o mais importante; vou sentir sadade, amor, e acima de tudo não irei ter medo da solidão. Porque o silêncio designa um ambiente onde reina um vazio relativo de ruídos provocados pela consciência…
Tudo isto tem um sentido profundo, mas, assim que tento explicá-lo, ele desaparece por entre o silêncio.
(durante meses senti-me farta, senti-me enjoada, desesperada para que o barulho à minha volta desaparecesse, que o barulho da vida evaporasse no ar. mas isso nunca aconteceu.)

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